quarta-feira, 5 de novembro de 2008

It´s a beautiful day!!





Às vésperas dessa histórica eleição norte-americana, o jornal O Globo publicou um interessante artigo sobre o que os jornais de todo o mundo trariam estampado em suas capas, caso Barack Obama fosse o vencedor. De forma muito pertinente, o sociólogo e doutor em geografia humana pela USP, Demétrio Magnoli, alertava para o esvaziamento do sentido do evento que a mídia encabeçaria ao destacar a eleição do primeiro presidente negro na história dos Estados Unidos.

“A manchete óbvia é, contudo, a manchete errada. Obama não será um ‘presidente negro’ e não seria nunca o ‘primeiro’, título que pertence a Bill Clinton, conferido-lhe pela escritora negra Toni Morrison”, dizia o artigo.

Enfatizando o fato de que Obama não se apresentou como um candidato negro, mas como um americano simplesmente, o autor afirma que o neto da – agora – saudosa Toot era um candidato pós-racial. Ele mesmo chegou a afirmar, causando até furor em muitos, que não acreditava “em política baseada na raça”.

Magnoli destaca, ainda, que Obama assume a identidade de mestiço: idéia tão comum por aqui, mas tão rara na terra do homem que tinha um sonho. Ele acrescenta: “Identidade é opção, não destino biológico. Obama poderia ter escolhido uma identidade afro-amerciana, selecionando os ancestrais relevantes para aquela opção. Mas decidiu selecionar todos os ancestrais e, fazendo-o, desafiou o mito da raça que recobre como uma cinta de aço a sociedade americana”.

Pois bem, acho excelente que existam cidadãos “pós-raciais” e talvez até por isso minha admiração por esse “mestiço assumido” ganhe mais vulto. Não podemos negar, no entanto, que as sociedades americana, brasileira, quiçá mundial, ainda não caminharam para esse estágio.

Uma das críticas que fazem os oponentes às políticas de ação afirmativa é exatamente o fato de não podermos usar a idéia de raças puras. Ficaria, pois, muito difícil definir quem “merece” ser alvo dos efeitos dessas ações. Especialmente num país como o Brasil, onde todos nós carregamos gotas múltiplas de sangue, como decidir quem deve ser beneficiado pelas políticas afirmativas?

Dúvida pertinente, afinal é mesmo preciso haver critérios claros para que qualquer política possa alcançar seus objetivos. Premissa básica para qualquer gestor público ou privado.

Quando olhamos, no entanto, números de desenvolvimento educacional, distribuição nas universidades, por estratos salariais, presença na política etc. não parece faltar objetividade. De forma bastante clara, eles nos trazem com precisão a parcela de seres humanos a quem estamos reservando – deliberadamente – faixas de privilégio.

Que clareza falta a um número assustador que revela que mais de 90% dos jovens negros estão fora da universidade, mesmo 120 anos depois da abolição? Que objetividade não está presente em um dado alarmante que aponta que dos cerca de 14 milhões de analfabetos no país, quase 9 milhões são pretos ou pardos?

Essa realidade não está posta apenas na frieza estatística. Também é bastante clara no calor ou na displicência impune dos nossos discursos diários. Exemplos não faltam, como o da empregada doméstica de uma conhecida que, ao me indicar uma colega para trabalhar em minha casa, fez a seguinte ressalva: “Só tem um ‘problema’, ela é negra”; ou o de dois moradores de um condomínio na Barra da Tijuca, no Rio, que em tom de brincadeira e entre risos “inocentes” comentavam que o pai de um deles não “corria o risco” de voltar da África, onde trabalhava havia alguns dias, mais preto porque ele tinha “sangue bom”; ou ainda o de um vigilante de um prédio comercial no centro do Rio, de cor mais preta do que branca, que dizia entusiasmado, empunhando a foto de Barack Obama estampada em um pedaço de jornal, não acreditar que ele seria eleito, afinal “um negro não poderia ser o presidente do país mais poderoso do mundo”. Explicações para tais fatos, que se repetem por todos os cantos? Talvez nem eles mesmos as tenham. Mas todos sabiam muito bem, assim como muitos de nós, onde estava o preconceito irracional e a quem ele se dirigia.

Tomara que um dia criemos uma sociedade “pos-racial”, onde nenhuma atitude, reação, política ou voto seja confirmado com base na cor da pele ou na origem racial de seus indivíduos. Enquanto isso, para nos proteger de nossa ignorância, é preciso agir positivamente em favor de quem sabemos muito bem como excluir. Caso contrário, continuaremos sendo uma sociedade que não se intimida, muitas vezes até sem se dar conta, em reservar vagas de privilégio apenas para alguns. E sem que nenhuma lei determine.

2 comentários:

Pedro disse...

Muito bom, minha Linda!
No discurso q eu te mandei tem uma hora em q ele fala tb do sentimento dos brancos qdo são preteridos em razão de ações afirmativas.
É muito bom. É um retrato muito bem feito da visão dos dois - ou melhor - dos vários lados da questão.
569345739847 de bjnhs!

Entre brisas e tempestades disse...

Vc sempre me inspira. Te amo!