terça-feira, 30 de junho de 2009

Vida e morte...

Estava com vontade de escrever sobre a importância dos rituais há alguns dias. Filha e neta única, sempre fui a única criança de uma família enxuta. E fico pensando que por mais que todos nós nos esforçássemos, os rituais perdiam um pouco da graça porque na maioria das vezes não havia a expectativa da chegada de alguém, a bagunça que os filhos fazem, o barulho comum em qualquer casa com pequenos que se dividem entre brigas e beijos. Vou ter que mudar de assunto, no entanto, e deixar essa história de rituais pra um outro post. Talvez nem tanto, porque o que vou falar hoje também tem a ver com um certo ritual. Só que sem muita alegria, festa ou ansiedade. Pelo contrário, trata-se de um ritual de passagem, inevitável e geralmente surpreendente. Daqueles que mudam de uma só tacada para sempre o rumo das coisas. E sem volta. Estou falando da morte.

Tudo estava calmo. Eu satisfeita porque o dia tinha rendido bem. Trabalhei bastante de manhã e dei conta de fazer tudo o que precisava sem perder a hora de voltar pra casa. Passei no shopping, consegui trocar uma peça de decoração que não tinha combinado tanto com o estilo da casa nova como eu supunha, peguei a Duda na escola, jantamos, consegui malhar e... enfim, estava só relaxando na Internet, esperando o Pedro chegar. Perto do fim do dia. Mal sabia que também estava perto da noite eterna dele. Gervânio. Um querido professor de Biologia dos meus tempos de Pedro II. De repente, uma mensagem na minha página de recados. "Você soube que o Gervânio faleceu?", perguntava uma amiga de colégio. Não, não sabia nem podia imaginar.

Como aprendi com ele. Sobre Ciências e todo o espetáculo em que essa matéria está imersa, mas também sobre vida, sobre caráter, sobre simplicidade, sobre humanidade.

Lembro-me como se fosse hoje do primeiro 10 que tirei com ele. Tudo parecia tão simples naquelas aulas. Até as de sábado, que terminavam às 5h50 da tarde, tinham um gosto especial. Acho até que a escola colocava o Gervânio para esse horário ingrato porque talvez só ele seria capaz de nos prender o interesse àquela altura. Enfim, graças ao orkut pude reencontrá-lo anos – e muitos – depois. Lembro de ter agradecido a ele, via scrap, por muito da minha formação. Lembro que fiquei feliz por poder dizer a ele o que eu estava fazendo. Que era jornalista, que havia casado e era mãe de uma linda menina. Gostei de poder dizer a ele que tudo tinha dado certo, como um filho entrega um diploma de conclusão de curso a um pai orgulhoso, que muito se dedicou para isso.

Inevitável pensar que deveria ter dito mais. Um aperto no peito, uma lágrima tímida no canto do olho, uma dorzinha em um membro que foi extirpado. Coisa esquisita essa vida. Ainda mais é a morte. Antes que ela me pegue de surpresa de novo, quero me esforçar pra dizer o quanto eu amo todo mundo que eu amo. É tempo de viver!! De ser feliz!! Tudo passa tão depressa que não dá tempo de perder tempo com coisas pequenas. Quero ser plena de mim mesma. Quero ver Deus em cada coisinha do meu dia a dia e lhe ser grata por cada suspiro. E quando não der mais tempo, quero repousar para sempre ao lado do Pai.

Deixo a letra de uma música que fala alto ao meu coração, especialmente nesse momento de gosto amargo na boca.

Finda-se este dia que meu Pai me deu,
Sombras vespertinas cobrem já o céu,
Oh! Jesus Bendito, se comigo estás,
Eu não temo a noite, vou dormir em paz...
Com os pecados hoje, eu te entristeci,
Mas perdão Te peço, por amor de Ti,
Sou Teu pequenino, livra-me do mal
E em sossego alcanço gozo natural...
Guarda o marinheiro do violento mar,
E aos sofredores, queiras confortar,
Ao culpado estende Tua mão, Senhor,
Manda ao triste e aflito, o Consolador...
Pelos pais e amigos, pela santa lei,
Pelo amor divino, graças Te darei,
Oh! Jesus aceita, minha petição,
E seguro eu durmo, sem hesitação...

quarta-feira, 3 de junho de 2009

O que virá a seguir...




Embora na modernidade a palavra "tragédia" seja usada para definir um acontecimento doloroso, catastrófico, para os gregos o termo tragikós designava uma forma artística, algo que só ocorria entre os grandes. Na visão de Aristóteles, um dos precursores do estudo acerca dos espetáculos teatrais, para se tornar obra de arte a tragédia deveria sempre provocar a catarse, a purgação das emoções dos espectadores. Para ele, assistir às terríveis dilacerações do herói funcionava como uma espécie de remédio da alma, ajudando o público a expelir suas próprias dores e sofrimentos.

Essa breve “viagem” foi só para introduzir o assunto da semana: o desaparecimento (?) do avião da Air France. Tudo começou para mim de uma forma muito estranha. Segunda-feira pela manhã, bem cedo, tirei a máquina fotográfica da bolsa (gosto de registrar os coleguinhas - termo por meio do qual nós, jornalistas, nos tratamos - em pautas bacanas). As minhas palavras foram: “não vou levá-la hoje porque nenhum avião deve cair”. Imaginem a minha angústia quando, ao chegar à redação, soube do que tinha acontecido. Enfim, fui eu a escalada para a cobertura-maratona do principal tema do dia/semana. Tenho que confessar que gosto muito desse corre-corre da minha profissão. Lá fui eu para o aeroporto, fazer um plantão interminável, e nos dias seguintes, para o hotel onde as famílias estão sendo atendidas pela companhia aéra. Lá, pude ver de perto muitos dramas pessoais que a tragédia trouxe à tona.

Incrível ver as histórias de cada um, os motivos que levaram aqueles passageiros a estarem no vôo AF 447 e que deixaram de fora outros tantos, com relatos igualmente impressionantes. Casal em lua de mel; comissário que viajava e provavelmente morreu no dia de seu aniversário; jovem que retornava à europa após ter vindo ao Brasil para enterro do pai; pessoas que haviam recebido as passagens como prêmio; senhor que viajava para comemorar 72 anos de vida; família que voava em aviões separados por medo de que um acidente os matasse juntos.

Por outro lado, entre os “sobreviventes” que decidiram não pegar o vôo fatal, estão uma mulher que decidiu viajar na terça-feira, em vez de domingo, porque a passagem seria mais barata; outra que desistiu de embarcar no domingo para comemorar o anivesrário do filho ainda no Brasil; um que brigou no balcão da Air France para embarcar no vôo anterior, das 16h, embora tivesse chegado atrasado ao aeroporto; e ainda um que percebeu tarde demais que seu passaporte estava vencido. Perdeu o vôo, ganhou a vida.

Todas essas histórias dariam filmes, livros ou sei lá o quê.

Inevitável não refletir sobre nossa própria existência, sobre o modo com o qual lidamos com a morte e, principalmente, com a vida. É comum nesse momento decidirmos aproveitar mais, dar menos importância a preocupações bobas, ser mais despreocupado, perder menos tempo no trânsito, relevar mais pequenos detalhes e prestar mais atenção em outros. O fato é: daqui a pouco outra notícia “bombástica” toma conta dos jornais e a vida para nós volta ao “normal”.

Tragédias vão e vêm. Enquanto não acontecem conosco ou bem próximo a nós podem ser suficientes, apenas, para provocar uma catarse momentânea, que dura até o acender das luzes. Quero pensar que dessa vez vai trazer mais que isso.

Quero acordar cedo e sair de casa, muitas vezes com o céu ainda escuro, e abrir um baita de um sorriso por ver que meu marido e minha filha dormem quentinhos e confortáveis; quero encarar uma hora de trânsito até chegar ao trabalho e sentir no peito a palpitação de quem terá uma grande missão a cumprir; quero ficar horas em pé, sob sol, fazendo plantão e ter o entusiasmo de quem vai contar, ao vivo, um grande acontecimento ainda que ele seja bem pequeno; quero conseguir almoçar só depois das quatro, feliz porque ainda havia um único restaurante aberto no centro da cidade e tinha restado uma comida bem remexida; quero voltar para casa correndo pra conseguir malhar, buscar a Duda na escola, arrumar a mochila dela pro dia seguinte; preparar o jantar, atender o telefone e prendê-lo ao ombro só para não dispensar alguma amiga que esteja querendo papear, receber o marido feliz, dar banho na pequena, ouvir suas histórias de um dia longo, fazê-la dormir, tomar um banho gostoso e demorado, ler poucas páginas de um livro legal, ler o livrinho devocional, escolher uma parte da Bíblia para meditar, fazer uma oração, ver o último telejornal da noite com a obrigação de acordar já sabendo das “últimas” no dia seguinte.... tudo isso feliz porque haverá um dia seguinte. Um dia, ele não vai mais existir. E eu, num instante, passarei a ser passado.