quarta-feira, 13 de junho de 2012

Retorno

Depois de um longo silêncio, resolvi retomar. E logo num dia emblemático: começa hoje no Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20.

Achei bacana ser dada a largada um dia após o dos namorados, afinal são duas comemorações que despertam grandes paixões e mobilizações. Gosto disso. De tudo que nos move por nos fazer acreditar que há muito o que ser feito e que boa parte depende da nossa disposição!

Enfim... vou postar nos próximos dias algumas coisas que achar interessante sobre o evento dos "mais de 130 chefes de Estado e de Governo", que, como bem definiu o coleguinha André Trigueiro, é "incobrível". Vamos tentar, na medida do possível, traçar uma radiografia dos principais eventos e discussões. Tenho que confessar que, embora ouvir de perto grandes líderes mundiais sempre me deixe animada, o que me emociona de fato é acompanhar a mobilização popular. Lá, sim, é o berço das verdadeiras transformações.

Lembro com saudade que há 20 anos, na Rio 92, eu e alguns colegas do Pedro II pulamos a janela da sala da inspetoria do andar para resgatar nossas cadernetas e conseguir sair da escola para assistirmos um pouco de todo aquele espetáculo no Aterro do Flamengo. Obviamente, mas também inacreditavelmente, os professores achavam que não poderíamos perder aula... Perdemos, mas ganhamos e muito.

Nos próximos dias lá estarei de novo. Desta vez, com a credencial da ONU no peito. Um pouco menos menina, mas ainda com alguns sonhos. Tomara que nos próximos dias eles encontrem trampolins que os arremecem ao longe. É disso que é feita a vida. Termino o post com um registro de parte da equipe da Agência Brasil, sucursal Rio, que vai trabalhar e muito para dar conta do recado. Modestia à parte, isso a gente sabe fazer muito bem!

Até a próxima!

terça-feira, 30 de junho de 2009

Vida e morte...

Estava com vontade de escrever sobre a importância dos rituais há alguns dias. Filha e neta única, sempre fui a única criança de uma família enxuta. E fico pensando que por mais que todos nós nos esforçássemos, os rituais perdiam um pouco da graça porque na maioria das vezes não havia a expectativa da chegada de alguém, a bagunça que os filhos fazem, o barulho comum em qualquer casa com pequenos que se dividem entre brigas e beijos. Vou ter que mudar de assunto, no entanto, e deixar essa história de rituais pra um outro post. Talvez nem tanto, porque o que vou falar hoje também tem a ver com um certo ritual. Só que sem muita alegria, festa ou ansiedade. Pelo contrário, trata-se de um ritual de passagem, inevitável e geralmente surpreendente. Daqueles que mudam de uma só tacada para sempre o rumo das coisas. E sem volta. Estou falando da morte.

Tudo estava calmo. Eu satisfeita porque o dia tinha rendido bem. Trabalhei bastante de manhã e dei conta de fazer tudo o que precisava sem perder a hora de voltar pra casa. Passei no shopping, consegui trocar uma peça de decoração que não tinha combinado tanto com o estilo da casa nova como eu supunha, peguei a Duda na escola, jantamos, consegui malhar e... enfim, estava só relaxando na Internet, esperando o Pedro chegar. Perto do fim do dia. Mal sabia que também estava perto da noite eterna dele. Gervânio. Um querido professor de Biologia dos meus tempos de Pedro II. De repente, uma mensagem na minha página de recados. "Você soube que o Gervânio faleceu?", perguntava uma amiga de colégio. Não, não sabia nem podia imaginar.

Como aprendi com ele. Sobre Ciências e todo o espetáculo em que essa matéria está imersa, mas também sobre vida, sobre caráter, sobre simplicidade, sobre humanidade.

Lembro-me como se fosse hoje do primeiro 10 que tirei com ele. Tudo parecia tão simples naquelas aulas. Até as de sábado, que terminavam às 5h50 da tarde, tinham um gosto especial. Acho até que a escola colocava o Gervânio para esse horário ingrato porque talvez só ele seria capaz de nos prender o interesse àquela altura. Enfim, graças ao orkut pude reencontrá-lo anos – e muitos – depois. Lembro de ter agradecido a ele, via scrap, por muito da minha formação. Lembro que fiquei feliz por poder dizer a ele o que eu estava fazendo. Que era jornalista, que havia casado e era mãe de uma linda menina. Gostei de poder dizer a ele que tudo tinha dado certo, como um filho entrega um diploma de conclusão de curso a um pai orgulhoso, que muito se dedicou para isso.

Inevitável pensar que deveria ter dito mais. Um aperto no peito, uma lágrima tímida no canto do olho, uma dorzinha em um membro que foi extirpado. Coisa esquisita essa vida. Ainda mais é a morte. Antes que ela me pegue de surpresa de novo, quero me esforçar pra dizer o quanto eu amo todo mundo que eu amo. É tempo de viver!! De ser feliz!! Tudo passa tão depressa que não dá tempo de perder tempo com coisas pequenas. Quero ser plena de mim mesma. Quero ver Deus em cada coisinha do meu dia a dia e lhe ser grata por cada suspiro. E quando não der mais tempo, quero repousar para sempre ao lado do Pai.

Deixo a letra de uma música que fala alto ao meu coração, especialmente nesse momento de gosto amargo na boca.

Finda-se este dia que meu Pai me deu,
Sombras vespertinas cobrem já o céu,
Oh! Jesus Bendito, se comigo estás,
Eu não temo a noite, vou dormir em paz...
Com os pecados hoje, eu te entristeci,
Mas perdão Te peço, por amor de Ti,
Sou Teu pequenino, livra-me do mal
E em sossego alcanço gozo natural...
Guarda o marinheiro do violento mar,
E aos sofredores, queiras confortar,
Ao culpado estende Tua mão, Senhor,
Manda ao triste e aflito, o Consolador...
Pelos pais e amigos, pela santa lei,
Pelo amor divino, graças Te darei,
Oh! Jesus aceita, minha petição,
E seguro eu durmo, sem hesitação...

quarta-feira, 3 de junho de 2009

O que virá a seguir...




Embora na modernidade a palavra "tragédia" seja usada para definir um acontecimento doloroso, catastrófico, para os gregos o termo tragikós designava uma forma artística, algo que só ocorria entre os grandes. Na visão de Aristóteles, um dos precursores do estudo acerca dos espetáculos teatrais, para se tornar obra de arte a tragédia deveria sempre provocar a catarse, a purgação das emoções dos espectadores. Para ele, assistir às terríveis dilacerações do herói funcionava como uma espécie de remédio da alma, ajudando o público a expelir suas próprias dores e sofrimentos.

Essa breve “viagem” foi só para introduzir o assunto da semana: o desaparecimento (?) do avião da Air France. Tudo começou para mim de uma forma muito estranha. Segunda-feira pela manhã, bem cedo, tirei a máquina fotográfica da bolsa (gosto de registrar os coleguinhas - termo por meio do qual nós, jornalistas, nos tratamos - em pautas bacanas). As minhas palavras foram: “não vou levá-la hoje porque nenhum avião deve cair”. Imaginem a minha angústia quando, ao chegar à redação, soube do que tinha acontecido. Enfim, fui eu a escalada para a cobertura-maratona do principal tema do dia/semana. Tenho que confessar que gosto muito desse corre-corre da minha profissão. Lá fui eu para o aeroporto, fazer um plantão interminável, e nos dias seguintes, para o hotel onde as famílias estão sendo atendidas pela companhia aéra. Lá, pude ver de perto muitos dramas pessoais que a tragédia trouxe à tona.

Incrível ver as histórias de cada um, os motivos que levaram aqueles passageiros a estarem no vôo AF 447 e que deixaram de fora outros tantos, com relatos igualmente impressionantes. Casal em lua de mel; comissário que viajava e provavelmente morreu no dia de seu aniversário; jovem que retornava à europa após ter vindo ao Brasil para enterro do pai; pessoas que haviam recebido as passagens como prêmio; senhor que viajava para comemorar 72 anos de vida; família que voava em aviões separados por medo de que um acidente os matasse juntos.

Por outro lado, entre os “sobreviventes” que decidiram não pegar o vôo fatal, estão uma mulher que decidiu viajar na terça-feira, em vez de domingo, porque a passagem seria mais barata; outra que desistiu de embarcar no domingo para comemorar o anivesrário do filho ainda no Brasil; um que brigou no balcão da Air France para embarcar no vôo anterior, das 16h, embora tivesse chegado atrasado ao aeroporto; e ainda um que percebeu tarde demais que seu passaporte estava vencido. Perdeu o vôo, ganhou a vida.

Todas essas histórias dariam filmes, livros ou sei lá o quê.

Inevitável não refletir sobre nossa própria existência, sobre o modo com o qual lidamos com a morte e, principalmente, com a vida. É comum nesse momento decidirmos aproveitar mais, dar menos importância a preocupações bobas, ser mais despreocupado, perder menos tempo no trânsito, relevar mais pequenos detalhes e prestar mais atenção em outros. O fato é: daqui a pouco outra notícia “bombástica” toma conta dos jornais e a vida para nós volta ao “normal”.

Tragédias vão e vêm. Enquanto não acontecem conosco ou bem próximo a nós podem ser suficientes, apenas, para provocar uma catarse momentânea, que dura até o acender das luzes. Quero pensar que dessa vez vai trazer mais que isso.

Quero acordar cedo e sair de casa, muitas vezes com o céu ainda escuro, e abrir um baita de um sorriso por ver que meu marido e minha filha dormem quentinhos e confortáveis; quero encarar uma hora de trânsito até chegar ao trabalho e sentir no peito a palpitação de quem terá uma grande missão a cumprir; quero ficar horas em pé, sob sol, fazendo plantão e ter o entusiasmo de quem vai contar, ao vivo, um grande acontecimento ainda que ele seja bem pequeno; quero conseguir almoçar só depois das quatro, feliz porque ainda havia um único restaurante aberto no centro da cidade e tinha restado uma comida bem remexida; quero voltar para casa correndo pra conseguir malhar, buscar a Duda na escola, arrumar a mochila dela pro dia seguinte; preparar o jantar, atender o telefone e prendê-lo ao ombro só para não dispensar alguma amiga que esteja querendo papear, receber o marido feliz, dar banho na pequena, ouvir suas histórias de um dia longo, fazê-la dormir, tomar um banho gostoso e demorado, ler poucas páginas de um livro legal, ler o livrinho devocional, escolher uma parte da Bíblia para meditar, fazer uma oração, ver o último telejornal da noite com a obrigação de acordar já sabendo das “últimas” no dia seguinte.... tudo isso feliz porque haverá um dia seguinte. Um dia, ele não vai mais existir. E eu, num instante, passarei a ser passado.

quinta-feira, 28 de maio de 2009





Certa vez li um livro de um autor de quem sou fã, por grande influência do Pedro, o Larry Crabb, que se chama Conexão. Depois de pouco mais de sete anos engavetado, esta semana recuperei o encadernado e gostei de reler algumas partes destacadas, com marca-texto desbotado. O sentido daquelas palavras, no entanto, eram tão atuais que me despertaram o desejo de dividi-las aqui.

Pra começar este post, então, transcrevo um trecho da introdução:

“Escrevo para pessoas comuns, para todo aquele que compreende que não podemos fazer as coisas sozinhos, que não podemos ser tudo o que poderíamos ser sem o amor, a sabedoria e a opinião dos outros. Escrevo ao ser humano que deseja ardentemente escapar aos pesares da solidão, de uma existência sem sentido, e isso por meio da fértil conexão com pelo menos algumas outras pessoas; ao ser humano que, apesar de muito desejá-lo, não sabe como fazê-lo”.

Incrível porque hoje idéias parecidas – bem menos trabalhadas – me passaram muito pela cabeça. Divaguei sobre o quanto precisamos da aproximação, da sintonia de quem se faz amigo. Confesso que eu e Pedro não somos muito bons em “regar” as amizades. Tem gente – amigos nossos – que se esforçam bem mais para manter as ligações. Muitas vezes, até queremos – e muito – mas estamos mais para a categoria citada por Crabb dos que “apesar de muito desejá-lo, não sabe como fazê-lo”. È comum nos perdermos em meio a um turbilhão de compromissos e obrigações e deixar o tempo escapar pelos dedos sem que façamos de fato o que gostaríamos e cuidemos de quem adoraríamos.

Certa vez ouvi que “construir amizades é como construir pontes em meio ao deserto de egoísmos e individualismos”. Acrescento que cuidar das amizades é evitar a existência vazia, fugir de uma vida sem passado e do presente sem raízes.

Vejo a Duda fazer amizades que se estendem pelos seus longos três anos de vida escolar e que se tornam cada vez mais sólidas em uma liberdade pueril que só alimenta os sonhos e as possibilidades de construção de quem tem uma vida inteira pela frente, como um papel de carta perfumado, cor de rosa, e ainda vazio. E fico pensando em quantos desses amigos de hoje chegarão juntos à adolescência e à fase adulta.

Olho pra mim e penso em quantos amigos de ontem gostaria de ainda ter ao meu lado para acompanhar tantas coisas que vivo hoje.

Ok, pra variar estou muito saudosista... Mas é que nesta mesma quinta-feira, que já corre pra virar sexta, voltei a ter pertinho de mim uma grande amiga de infância-adolescência, que se mudou hoje para o meu bairro, e lembrei, ao falar pelo telefone, de outra grande amiga de juventude-idade adulta que se foi para bem longe. Duas pessoas completamente diferentes, que hoje ocupam lugares geograficamente tão distantes e que tanto significam na minha existência. Felicidade e tristeza; alegria do reencontro e dor da separação; sorriso estampado com um cantinho de lágrima em lábios vacilantes.

Sei lá, antes de dormir acho que vou fazer uma oração. Pedir a Deus pelas duas, que estão vivendo novidades muito gostosas, cada uma a seu estilo. Mas acho que vou pedir ainda com mais intensidade por mim. Para que ele me ajude a ser capaz de construir pontes sobre separações e me permita viver conexões vivificantes. Vou dormir em paz.

sábado, 23 de maio de 2009

Sei não...





Tenho andando meio distante daqui. Por falta de tempo e excesso de idéias. Vez ou outra vou fazer alguma matéria, principalmente de temas sociais, e penso em um monte de coisas que gostaria de escrever. Volto pra redação, depois pra casa e... elas já não me parecem tão importantes. Penso, então: “Talvez fosse só o calor do momento. Ou sensações que fizeram sentido porque a imagem e o cheiro lhes serviam como moldura perfeita. Dissociados já não são a mesma coisa”.

Enfim... um assunto, no entanto, que me tem sido recorrente nos últimos tempos e que mais uma vez me veio à tona ao ler um post tratando de algo parecido no blog de uma amiga despertou-me a vontade de voltar. “Ser feliz é uma escolha”, dizia ela. Parece óbvio? E é. O problema é que nem sempre a gente consegue escolher o que quer.

Há algum tempo eu e Pedro conversamos muito sobre as ironias da vida. Gente que não sabe de nada, mas que por achar que sabe muito acaba sabendo mesmo; gente que finge ser algo e de tanto fingir... acaba sendo mesmo; gente que queria ter determinada característica e de tanto agir como se tivesse... acaba tendo mesmo. Sei lá. Estranho pensar que tudo – ou quase tudo – é um processo de construção dentro e fora de nós. Por um lado, parece um pouco injusto. Alguém que não era usou de um artifício desleal – na medida em que enganou a todos fingindo ser – e acabou se tornando. Mas por outro, pode trazer alento, afinal pode significar que nós também não estamos fadados a continuar eternamente sendo algo que não queremos ser. Talvez com certa dificuldade, mas é possível nos tornarmos pessoas melhores – as que gostaríamos de ser (ou pelo menos chegar bem perto disso).

Confesso que depois de reclamar muito e brigar com essa realidade, decidi me apegar à segunda idéia. Acho que isso faz parte do tornar-se adulto. Perceber que as coisas não acontecem naturalmente, que é preciso inventar e reinventar novos eus a cada dia, a cada papel, a cada cenário e não ter preguiça de ser quem queremos ser. Não é coisa pouca.

Ao final, a lição que escolhi tirar de toda essa inquietação é a percepção de que o dia-após-dia de todos nós pode ganhar fôlegos vez por outra: novas oportunidades de auto-conhecimento; novas possibilidades de recomeço; novas chances de experimentar a felicidade. O duro é pensar que a vida passa tão depressa que se a gente demora a perceber como é importante ser feliz a cada dia... pode não restar muito tempo. Então, é hora de colocar a mão na massa: o importante é escolher a felicidade no meio do caminho e não esperar o apito final. Se não, corremos o risco de passar a vida com a cabeça voltada para o nosso próprio umbigo, tentando descobrir quem de fato somos para entender como funcionamos, e cairmos em uma prisão subjetiva como alguém que mergulha, temeroso, em um baú escuro. Decidi que se for pra mergulhar, quero que seja de cabeça e numa caixinha de surpresas! Colorida, perfumada e, de preferência, com uma excelente trilha sonora, que música sempre faz bem à alma!

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Doutores do que não vimos

"Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver."

Amyr Klink







Algo que muito me incomoda é o uso de jargões sem qualquer “checagem” como se diz no jargão jornalístico. Vejo e escuto muito por aí – como todos vocês – diversas críticas aos Estados Unidos e seu “way of life”. Geralmente me calo e apenas penso: “é uma pena você rejeitar sem nem mesmo conhecer, nunca vai saber como é bom viver naquele país onde tudo costuma funcionar, bem ao contrário daqui”. Confesso que ultimamente – talvez por depressão pós-visita àquela terra – toda essa balela tem me “ferido a alma” com mais intensidade. Principalmente quando feita por quem jamais colocou os pezinhos por lá pra dizer que não gosta.

De forma alguma estou defendendo a política internacional deles, de nenhuma maneira estou trazendo à tona o imperialismo e a vontade de subjugar o restante do mundo ou a pretensão (verídica em muitos casos) de se pensarem como melhores do mundo.

Mas é preciso dar a mão à palmatória: eles sabem valorizar e amar a própria terra como ninguém. E, em nome desse amor, souberam também construir uma nação que trata bem os seus cidadãos, no melhor modelo “dos filhos deste solo és mãe gentil”. Bom motivo para queremos aprender com eles.

Uma das críticas mais utilizadas pelos avessos à terra do tio Sam e que também mais me desperta indignação é a de que eles não sabem geografia. Então, vamos fazer um teste. Pense você qual é a localização exata no mapa-múndi da Tunísia? Se você souber que fica no norte da África já se destacou da maioria esmagadora dos brasileiros. Mereceria até uma medalha de honra ao mérito. Acha que não valeu porque é um país africano e muita gente se confunde? Ok, vamos tentar a Europa, então. Você saberia apontar a localização da Eslováquia ou da Eslovênia? E que tal San Marino, Moldávia, Alderney? Muito longe ainda?? Então vamos voltar ao nosso continente para mais uma tentativa: Podemos começar com Barbados, Monte Serrá, Guadalupe, Martinica. Acertou algum?

Pois bem: é muito fácil repetir críticas prontas. Difícil é construir um país cujos cidadãos sabem valorizar seus homens públicos, porque fizeram da história um motivo de orgulho; ainda mais difícil é criar uma nação onde se valoriza a educação para todos, onde o acesso à escola de qualidade é gratuito e realmente importa; ou ainda fornecer por meio dessa instituição aprendizado para a vida, com aulas de culinária, marcenaria, primeiros socorros, música, artes, teatro e não uma saturação de matérias das quais nos esquecemos tão logo nos vejamos livres delas.

É verdade que muitos americanos não sabem qual é a capital do Brasil e entendo que isso nos deixe particularmente revoltados, afinal somos um país “gigante por sua própria natureza”, com crescente importância econômica e política etc. etc. Mas tente sair às ruas e perguntar qual é a capital norte-americana??? Não se engane pensando que muitos de nós saberiam responder com precisão. Talvez, muitos dentre nosso sofrido povo nem saibam as capitais de todos os estados brasileiros. Basta lembrar dos inúmeros absurdos que recebemos até por e-mail com respostas inacreditáveis nas provas dos vestibulares de nossas universidades. Aliás, esses poucos que chegam até o nível superior já podem se considerar vitoriosos em nosso país.

Enfim, é bem verdade que muitas das críticas que são feitas ao modelo americano são verdadeiras. Mas, ao invés de se ter uma alma pequena é saudável querer expandir nossa experimentação sobre o mundo e a humanidade. Gostando ou não do que eles criaram, é bom poder estar lá pelo menos com o olhar de curiosidade. Gosto muito da visão do Amyr Klink sobre isso: prefiro acreditar que tudo o que sei sobre o mundo é muito pouco e, por isso, gosto de ir para descobrir. Me recuso a ser doutora naquilo que nunca experimentei. Posso estar, no mínimo, perdendo oportunidades valiosíssimas de aprender e, principalmente, de viver com intensidade.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

It´s a beautiful day!!





Às vésperas dessa histórica eleição norte-americana, o jornal O Globo publicou um interessante artigo sobre o que os jornais de todo o mundo trariam estampado em suas capas, caso Barack Obama fosse o vencedor. De forma muito pertinente, o sociólogo e doutor em geografia humana pela USP, Demétrio Magnoli, alertava para o esvaziamento do sentido do evento que a mídia encabeçaria ao destacar a eleição do primeiro presidente negro na história dos Estados Unidos.

“A manchete óbvia é, contudo, a manchete errada. Obama não será um ‘presidente negro’ e não seria nunca o ‘primeiro’, título que pertence a Bill Clinton, conferido-lhe pela escritora negra Toni Morrison”, dizia o artigo.

Enfatizando o fato de que Obama não se apresentou como um candidato negro, mas como um americano simplesmente, o autor afirma que o neto da – agora – saudosa Toot era um candidato pós-racial. Ele mesmo chegou a afirmar, causando até furor em muitos, que não acreditava “em política baseada na raça”.

Magnoli destaca, ainda, que Obama assume a identidade de mestiço: idéia tão comum por aqui, mas tão rara na terra do homem que tinha um sonho. Ele acrescenta: “Identidade é opção, não destino biológico. Obama poderia ter escolhido uma identidade afro-amerciana, selecionando os ancestrais relevantes para aquela opção. Mas decidiu selecionar todos os ancestrais e, fazendo-o, desafiou o mito da raça que recobre como uma cinta de aço a sociedade americana”.

Pois bem, acho excelente que existam cidadãos “pós-raciais” e talvez até por isso minha admiração por esse “mestiço assumido” ganhe mais vulto. Não podemos negar, no entanto, que as sociedades americana, brasileira, quiçá mundial, ainda não caminharam para esse estágio.

Uma das críticas que fazem os oponentes às políticas de ação afirmativa é exatamente o fato de não podermos usar a idéia de raças puras. Ficaria, pois, muito difícil definir quem “merece” ser alvo dos efeitos dessas ações. Especialmente num país como o Brasil, onde todos nós carregamos gotas múltiplas de sangue, como decidir quem deve ser beneficiado pelas políticas afirmativas?

Dúvida pertinente, afinal é mesmo preciso haver critérios claros para que qualquer política possa alcançar seus objetivos. Premissa básica para qualquer gestor público ou privado.

Quando olhamos, no entanto, números de desenvolvimento educacional, distribuição nas universidades, por estratos salariais, presença na política etc. não parece faltar objetividade. De forma bastante clara, eles nos trazem com precisão a parcela de seres humanos a quem estamos reservando – deliberadamente – faixas de privilégio.

Que clareza falta a um número assustador que revela que mais de 90% dos jovens negros estão fora da universidade, mesmo 120 anos depois da abolição? Que objetividade não está presente em um dado alarmante que aponta que dos cerca de 14 milhões de analfabetos no país, quase 9 milhões são pretos ou pardos?

Essa realidade não está posta apenas na frieza estatística. Também é bastante clara no calor ou na displicência impune dos nossos discursos diários. Exemplos não faltam, como o da empregada doméstica de uma conhecida que, ao me indicar uma colega para trabalhar em minha casa, fez a seguinte ressalva: “Só tem um ‘problema’, ela é negra”; ou o de dois moradores de um condomínio na Barra da Tijuca, no Rio, que em tom de brincadeira e entre risos “inocentes” comentavam que o pai de um deles não “corria o risco” de voltar da África, onde trabalhava havia alguns dias, mais preto porque ele tinha “sangue bom”; ou ainda o de um vigilante de um prédio comercial no centro do Rio, de cor mais preta do que branca, que dizia entusiasmado, empunhando a foto de Barack Obama estampada em um pedaço de jornal, não acreditar que ele seria eleito, afinal “um negro não poderia ser o presidente do país mais poderoso do mundo”. Explicações para tais fatos, que se repetem por todos os cantos? Talvez nem eles mesmos as tenham. Mas todos sabiam muito bem, assim como muitos de nós, onde estava o preconceito irracional e a quem ele se dirigia.

Tomara que um dia criemos uma sociedade “pos-racial”, onde nenhuma atitude, reação, política ou voto seja confirmado com base na cor da pele ou na origem racial de seus indivíduos. Enquanto isso, para nos proteger de nossa ignorância, é preciso agir positivamente em favor de quem sabemos muito bem como excluir. Caso contrário, continuaremos sendo uma sociedade que não se intimida, muitas vezes até sem se dar conta, em reservar vagas de privilégio apenas para alguns. E sem que nenhuma lei determine.